sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Fernando Pessoa e o Quinto Império em 2198


Este texto pode ser lido aqui.
Jerónimo Pizarro
Revista Ler, nº 109, Janeiro de  2012.
via Um Fernando Pessoa.

O cavalo espantado

"[Alves Redol] renovara-se já com A barca dos sete lemes e esse original e lírico fresco ribatejano dedicado a Almeida Garrett a que deu o título de Olhos d´Água. Com O cavalo espantado vai porém tão longe, que dir-se-ia estarmos perante um outro romancista - não porque se negue, mas porque foca o seu olhar em objecto inteiramente diferente dos seus predominantes motivos sociais (...) Alves Redol apresenta-nos Leo e Pedro como tese e antítese enquanto Yadwiga é a mulher dividida entre uma realidade que intimamente repele e um sonho de idealidade em que já não ousa crer. (...) Leo é um homem amoral, para quem o dinheiro é o primeiro princípio da sociedade e o erotismo é o primeiro princípio do amor. Em Yadwiga há (...) uma aceitação resignada deste amoralismo e ao mesmo tempo um despertar a que não é alheio o exemplo de Pedro. Neste, ao contrário de Leo, há a corajosa procura de uma «personalidade ética», a qual apenas se afasta do moralismo cristão, na medida em que o autor exprime um tipo de moral Kantiana unicamente derivado da razão (...) Devemos acrescentar que a conclusão do livro é tão ambígua quanto a teoria kantiana que suporta a tese. O problema ético proposto fica na realidade sem solução e suspende-se interrogativamente. O maior mérito do livro reside pois na proposição e desenvolvimento da questão, na análise dos caracteres, na verosimilhança das situações, sobretudo na fidelidade psicológica das personagens. (...)"


António Quadros
"Neo-Realismo em evolução, «o Cavalo Espantado» e «Barranco de Cegos», de Alves Redol
em Crítica e Verdade (1964) pp. 88-95.

Diário de Lisboa, 12 de Janeiro de 1961

Diário de Lisboa, 7 de Julho de 1960

Diário de Lisboa, 25 de Fevereiro de 1960

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Tradição

"Contigo, sei que o mais insignificante acontecimento da fábrica, passa à frente do mais importante acontecimento do nosso amor. Olha que é triste e é humilhante... (...) Durante a guerra, todos os teus camaradas me diziam que eras um oficial exemplar. Agora, queres ser um patrão exemplar. Tens um lado «Simão, o Patético», um lado aluno-modelo, és «honesto»; não é um crime, mas é um pouco massador... Ou então, gostaria que tivesses a mesma consciência no que diz respeito ao nosso amor.
- Mas em questões de amor não preciso da consciência para nada. Amo-te naturalmente, sem esforço.
Simone pôs de lado os pincéis, levantou-se e veio sentar-se na relva, aos pés de Bernardo.
- Nada se consegue sem esforço - disse. - Eu, procuro fazer de cada instante da minha vida uma pequena obra prima. Quero que seja belo, o encontro com a manhã, que o meu vestido diga com o tempo e com a hora, que a última frase que se diga à noite faça um bom «fim de acto». (...)"

André Maurois
em Tradição, Edição Livros do Brasil, 1964
tradução de António Quadros.
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André Maurois, pseudónimo de Émile Herzog, nasceu em 1885, em Elbeuf, França. Escreveu romances, livros infantis, ensaios, contos e histórias de ficção cientifica, mas foi como biógrafo que se notabilizou. Das muitas biografias que escreveu,  destacam-se A la recherche de Marcel Proust, de 1948; Les Trois Dumas, de 1957; e Prométhée ou la Vie de Balzac, de 1965.
Em 1938 tornou-se membro da Academia Francesa e,  no  início da II Guerra Mundial combateu pelas forças aliadas no Norte de África, ao lado de Antoine de Saint-Exupéry, de quem era grande amigo. Faleceu aos 82 anos no dia 19 de Outubro de 1967.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cadernos II


"A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se de criar agora em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos - de os pôr em movimento. Outrora, renunciávamos ou perdíamo-nos. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos."


Albert Camus, em Cadernos II (Setembro de 1937/Abril de 1939)
Edição Livros do Brasil, tradução de António Quadros

A mais completa edição das obras de Pessoa


"António Quadros está sempre comigo: os três volumes encadernados a vermelho e dourado, da Lello Editores, "Obras de Fernando Pessoa" (que me ofereceu, com dedicatória) estão sempre à mão de consultar. Continua a ser a mais completa edição das obras reunidas de Pessoa e os seus "outros", que em boa hora editou em 1986. Nos comentários que vai fazendo ao longo dos diferentes capítulos, reencontro a inteligência e a sensibilidade que me permitiu partilhar com os meus alunos quando com elas nos brindou, de viva voz, nas minhas aulas de Mestrado de Estudos Pessoanos."

Teresa Rita Lopes
António Quadros, 18 anos depois
Fundação António Quadros, (2011)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Homem de cultura


"Poucos autores nos convidaram tanto como António Quadros a repensar Portugal. Pensador português e de Portugal, sondou as nossas raízes e interrogou o mistério e os mitos da nossa condição lusíada. Não se enredou em jogos dialécticos em que se comprazem intelectuais brilhantes mas estéreis. Não fez frases - fez uma obra. Foi mais sério do que lúdico. E homem de cultura, distinguiu-se também pela acção cultural, promovendo muitas iniciativas: jornais, revistas, colóquios, institutos. E em todas as circunstâncias, sempre optimista e cordial."

João Bigotte Chorão
António Quadros, 18 anos depois
Fundação António Quadros (2011)

Larga e generosa tolerância


"Não tive infelizmente ocasião de privar quotidianamente com António Quadros num tempo de dilatados anos, embora, antes de o conhecer pessoalmente, o conhecesse havia muito de reputação e obras. Mas conhecê-lo, e entregar-me a longas e apaixonantes conversas com um homem de quem me separavam gerações e ideias, foi um acontecimento inolvidável na minha vida - e uma marcante lição: uma lição de bonomia, de afectuosa simpatia, de inteligência, de larga e generosa tolerância."

Pedro Tamen
António Quadros,18 anos depois
Fundação António Quadros (2011)

Paredes meias


"(...) De que é afinal precursor Camilo? Antes de mais nada, de uma análise das paixões da alma que, se corresponde a uma fenomenologia muito portuguesa, na fidelidade ao mito de Tristão e Isolda, que já nos vem de longe e se nos renovou com a paixão de Pedro e Inês, nem por isso deixa de corresponder a uma das linhas dominantes da psicologia contemporânea. Camilo afasta-se inteiramente do racionalismo, do iluminismo, da ligeireza libertina do século VXIII, pois que, para ele, o excesso sentimental caracteriza a acção criadora dos homens. Ele é o expressor e até biograficamente o representante de tal excesso. Isto tem sido valorado negativamente e jogado como provra do seu anacronismo. Simplesmente, nós sabemos hoje que a psicologia procura a situação-limite, paredes-meias com a loucura, para determinar a fundura da psique. Camilo, muito mais do que Eça, aproxima-se da psicologia das profundezas, tocando e expressando o inconsciente colectivo da tipologia humana de que povoou os seus livros. (...) Camilo tudo ousou, talvez porque a sua mestria estilística tudo permitia: as interferências pessoais; as digressões despropositadas; as reflexões irónicas ou apaixonadas surgidas por associação de ideias..."


António Quadros
Introdução à estrutura do Universo Camiliano
(Porto, 1990)

Colóquio Mário Saa

O CEFi ‑ Centro de Estudos de Filosofia da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (UCP), através da sua linha de investigação Filosofia e Cultura Ibérica, em parceria com a Fundação Arquivo Paes Teles (Ervedal – Avis), a que se associaram o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, a Fundação António Quadros, a Associação dos Amigos do Concelho de Aviz e a Câmara Municipal de Avis, concebeu este colóquio, «Mário Saa: Poeta e Pensador da Razão Matemática – nos 40 anos da sua morte», a fim de reunir todas as pessoas que têm vindo a desenvolver estudos sobre o autor, contribuindo para a promoção de uma figura marcante da cultura portuguesa.

Mais informações aqui.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Direcção de Leonardo Coimbra



Leonardo Coimbra, "Professores"
 em Nova silva : revista ilustrada, N.º 5, [3 de Abril] de 1907
Todos os números disponíveis aqui.

“[...] resta apenas uma saída: a de ficar só, completamente só em si mesmo e a de nessa solidão se manter firme, não cedendo um ponto. Evidentemente que foram movimentados todos os meios para obstruí-la: o trabalho obrigatório é, talvez, o mais poderoso, na medida, por exemplo, em que nos força a ocupar-nos naquilo pelo que não só não temos qualquer interesse, mas que está organizado de modo a moldar-nos interiormente num certo sentido que não é, certamente, o da liberdade. Além disso, estar só é quase insustentável, mas isso é também o sinal de que pode constituir um caminho."

António Telmo
 História Secreta de Portugal,
“Últimas reflexões de um profano”, p. 162.
Via as 101 cartas de Pedro Sinde

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A Santana Dionísio


Princípio: publicação de cultura e política N.º 3

Crença

"Crer é atribuir realidade. (...) A crença absolutiza. Faz da atribuição subjectiva da realidade o absoluto de que dependem todos os seres reais. E quando os princípios acabam por ser degradados em objecto de crença - que é o que a política faz da verdade, da liberdade e da justiça - o domínio dos homens fica entregue à tirania. (...) A religião é o arcano da política como o proselitismo é o modelo da doutrina partidária."


Orlando Vitorino
A Idade do Corpo; Fenomenologia do Mal
Teoremas (1970)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Fenomenologia do Mal

"O mal não é um problema. (...) O mal é, pelo contrário, algo que se inclui em todo o objecto do pensamento. (...) O mal é um mistério. (...) O mal é, pois, incognoscível ao homem."

Orlando Vitorino
A Idade do Corpo; Fenomenologia do Mal
Teoremas (1970)

sábado, 17 de dezembro de 2011

O destino rasga e cose

"O meu envolvimento com a chamada «filosofia portuguesa» [essa corrente do pensamento que muito do academismo ainda hoje desconsidera e apouca] deu-se através do António Quadros, primeiro pela síntese que ele fez dos vários afluentes desse grande delta do sentir filosoficamente a essência saudosa do ser, depois pela cruzada própria que travou até ao fim pelo espírito de 57]. Simultaneamente chegou-me o Jesué Pinharanda Gomes, a sua obra própria e a intensa e humilde actividade divulgadora e formativa. A partir daqui fui-me espraiando, como quem dá braçadas contra a corrente do "racionalismo" contemporâneo e seus demónios materialistas. (...)" Continue a ler aqui.

José António Barreiros

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Trazer a lume

As Bruxas de Salém, Tradução de António Quadros

Um Eléctrico Chamado Desejo, tradução de António Quadros
Não constavam ainda da lista de livros traduzidos por António Quadros as peças de teatro: As Bruxas de Salém, de Arthur Miller, de 1957 e Um Eléctrico Chamado Desejo, de Tennessee Williams, de 1963.

Foram ambas levadas à cena pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, mas nunca foram publicadas em livro, razão que, em parte, esclarece a omissão da sua bibliografia. 
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Traduções de António Quadros

1945 - Tradução (e prefácio) de Diário de Salavine de Georges Duhamel
1954 - Tradução de Tradição de André Maurois
1955 - Tradução de Tomás, o Impostor de Jean Cocteau
1957 - Tradução de As Bruxas de Salém de Arthur Miller
1960 - Tradução (e prefácio) de Os Justos de Albert Camus
1963 - Tradução de Um Eléctrico Chamado Desejo de Tennesse Wiliams
1964 - Tradução (e prefácio) de O Estrangeiro de Albert Camus
1965 - Tradução (e prefácio) de Cadernos II de Albert Camus

Camus


"Albert Camus impôs-se-me antes de mais nada como um dos poucos escritores sérios da nossa época. (...) Escritor sério porque, para ele, a literatura não era um jogo, um pretexto para afirmação pessoal, um meio de atingir a glória, uma actividade gratuita e sem responsabilidade no próprio destino do mundo ou ainda uma forma de enfeudamento às suspeitas forças de uma sociedade egolátrica ou desviada do seu mais fundo sentido criador."

António Quadros
do prefácio a Os Justos de Albert Camus
Lisboa, Livros do Brasil, 1960, p.129.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A Saudade segundo António Quadros

"Segundo [António Quadros], a saudade será a expressão sentimental do mito, enquanto a angústia se lhe afigurava o sentimento correspondente à utopia. Na verdade, sendo um sentimento numinoso e de feição religiosa, um afloramento de todo o ser do homem, lembrança do que foi e desejo do que virá a ser, a saudade, implicando embora a perda, a ausência, o desgarramento ou o desterro, não exclui o desejo, a expectativa, pelo que é a mais pura e radical expressão ontológica, sentimental, volitiva e afectiva do essencial movimento do homem de que o discurso mítico é a narração simbólica. (...)"


António Braz Teixeira
"Introdução à Filosofia da Saudade"
em Deus, O  Mal e a Saudade, Fundação Lusíada (1993), p. 241.

Da Filosofia da Saudade

"Que a saudade seja um sentimento, é afirmação que, decerto, não levantará relevantes objecções. Que possa ser objecto ou tema de reflexão filosófica parece, igualmente, não suscitar dúvidas ou oposições consistentes. Que, no entanto, possa pretender-se constituir a saudade de algo de originário e radical, dotado de uma densidade ou de uma essencialidade ontológicas, a ponto de nela se poder fundar um sistema filosófico ou encontrar resposta às primeiras interrogações metafísicas, por envolver ou implicar, em si, a mais séria e decisiva problemática não só antropológica como também cosmológica e teológica - desde o problema do mal e da liberdade, até ao da realidade do tempo e ao do mesmo e do outro e do uno e do múltiplo - é já tese que a muitos se apresentará desprovida de sentido ou de razão filosófica, apesar da importância que o pensamento contemporâneo atribuiu à reflexão sobre sentimentos como a angústia, o desespero, a esperança ou o sentimento trágico, conferindo-lhes uma dimensão ontológica e deles partindo para uma demanda cujo destino é uma ontologia ou uma metafísica fundamental. (...)"

António Braz Teixeira
"Introdução à Filosofia da Saudade"
em Deus, O  Mal e a Saudade, Fundação Lusíada (1993), p. 117.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Tomaz, o Impostor. Tradução de António Quadros

"A guerra principiou na maior desordem. Esta desordem nunca cessou, do princípio ao fim. Uma guerra breve teria podido amadurecer e, por assim dizer, cair da árvore, enquanto que uma guerra prolongada por estranhos interesses, radicada fortemente ao tronco, não parava de oferecer aperfeiçoamentos que eram outros tantos recomeços e outras tantas correntes de forças. (...) Paris não era ainda a guerra. Mas a guerra aproximava-se e esta natureza intrépida escutava o canhão como por detrás de uma porta que os porteiros não deixam abrir. Na sede da guerra que a assaltava a  princesa era tão saudável quanto possível. Não a atraíam o sangue, a febre, a vertigem das corridas de touros. Pensava nestas coisas com repugnância. Lamentava os feridos. Não; o que ela era, era uma apaixonada das modas, das ligeiras como das profundas. A moda, agora, era o perigo; e a princesa morria de calma."

Jean Cocteau
Tomaz o Impostor, Edição Livros do Brasill, s.d. (1955)
Tradução de António Quadros

Angústia, drama e movimento

"(…) a angústia é um sentimento peculiar do «drama como movimento que se ignora», ou do falso movimento, que se agita tanto mais quanto suspeita não passar de uma aparência ou uma máscara do verdadeiro movimento. Kierkegaard, Sartre, Heidegger prestaram especial atenção a este sentimento difuso, indeterminado, quase inqualificado, que o homem encontraria dentro de si como inerente à sua mesma condição vivente. Mas terá a angústia, tal como a descreve a fenomenologia existencialista, isto é, como um sentimento incausado, porque consubstancial ao ser humano, terá a angústia realmente um valor universal, transcendente às filosofias, às civilizações e às culturas? A sua presença quase exclusiva nos países da Europa Central, particularmente no triângulo constituído pelos países nórdicos, pela França e pela Alemanha, não indicará ao invés que se trata de um sentimento decorrente naturalmente do teor de determinadas perspectivas filosóficas? E estas perspectivas filosóficas, nascidas na era da industria, da técnica e da sociologia, não resultarão afinal da queda do movimento, detido na problemática do ser em situação estática?
Efectivamente, a dialéctica do ser e do nada, a oposição entre o ser e o não ser, geradores dos sentimentos de desespero, de desgarramento e, principalmente, de angústia, tal como surge descrita em Heidegger ou em Sartre, seriam inconcebíveis numa filosofia dinâmica, porque, se o nada representa a coisificação de um estado-limite, o não-ser é um artificio gramatical que perde realidade quando transposto para termos vitais. Assim, as ucronias apenas subsistem com todo o seu poder de atracção enquanto são garantidas por sistemas em queda para o estatismo. De igual modo, os conceitos de progresso circulam dentro do mesmo tipo de sistema, propondo caminhos aparentemente válidos para a ucronia ou para a utopia."

António Quadros
O Movimento do Homem
Sociedade de Expansão Cultural (1963)

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dois mundos

"Será possível (...) que haja dois mundos geminados, onde existimos simultaneamente em duas presenças separadas?".

António Telmo

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Uma visita a Bergson


"Hoje, passados três anos, é-me difícil transmitir ao leitor a emoção com que me aproximei de Bergson em Paris (Outubro de 1935) e o encanto sugestivo de pensamento com que abandonei o maior filósofo do nosso mundo latino actual. (...) Bergson, o corpo de Bergson, é uma sombra esbranquecida da figura delicada que todos nós conhecemos pela fotografia. A sua casa do Boulevard Beauséjour mostra imediatamente uma simplicidade distinta que prepara o acolhimento generosamente gentil com que o filósofo nos recebe. Um belo retrato a óleo de Bergson numa expressão meditativa de recolhimento é a apresentação quase-imediata do homem que todos nós conhecemos sem nunca termos visto. (...) Pouco depois entrávamos na sala de trabalho de Henri Bergson. Sentado, as pernas cobertas, os braços assentes e encolhidos, só a sua cabeça - a sua bela cabeça - era bem visível e expressiva. As primeiras palavras foram de agradecimento mútuo - as suas por delicadeza e as minhas por obrigação bem sentida. (...)"

Delfim Santos
"Uma Visita a Henri Bergson",
Ocidente vol.2, n.º34, Fev. (1941) pp.193-195.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O outro da filosofia

"(...) Já na idade moderna e contemporânea, quantas vezes não temos assistido ao anúncio e diagnóstico de inúmeras crises da filosofia, correlativas e derivadas dos dispersivos e fragmentantes cortes epistémicos que novas áreas disciplinares têm aberto, mas também a originais contaminações feitas de sínteses e encontros com o que seja o outro da filosofia: como pensar a filosofia clássica alemã sem o encontro com a história e toda a filosofia contemporânea sem o decisivo confronto com a economia política, com a psicanálise, com a arte e a literatura, com o cinema, com as ciências da vida e as neurociências, com a tecnologia, com o enorme acervo que a etnografia de todos os povos tem revelado, com os patrimónios sapienciais, culturais e literários dos povos não europeus cuja imprevista grandeza e diversidade começamos a vislumbrar?"

Rui Lopo
"Significado e Valor da Filosofia na Obra de António Telmo - Em Diálogo com José Marinho"
em Actas do Colóquio «A Obra e o Pensamento de António Telmo» (Cadernos de Filosofia Extravagante, 2011), p. 73.

Filosofia e Teologia


"O problema da relação da filosofia com a teologia originariamente implica o problema da relação do pensamento com a fé. Nenhuma dessas formas de relação ao Ser e à Verdade pode considerar-se fundada, subsistente e consequente, pela exclusão da outra. Ambas as formas da relação têm no ser originário sua unicidade. (...) Fé e pensamento existem para a interpretação e a harmonia. Tão fácil dizê-lo, como difícil alcançá-lo! Pois que o mais alto e melhor escapa, a uniteralidade é a mais constante e fácil sedução dos homens, Diremos então que a tese que considera a fé mais divina que o pensamento é errónea, pois o pensamento tem relação mediata, mas não menos segura à verdade divina. E assim como a fé tende a considerar-se suficiente e a  anular o pensamento, ou a submetê-lo, assim também o pensamento, pressuroso de autonomia, tende a excluir ou a minorar a fé. Logram ambos tão-somente minorar-se, do mesmo passo que, minorando o suposto seu contrário, deturpam a relação excelente em mais baixo planos da vida espiritual. Tal relação, como todas as relações de estrutura da vida e do espírito, pode incessantemente minorar-se, jamais anular-se."

José Marinho
Estudos Sobre o Pensamento Português Contemporâneo
(Biblioteca Nacional, 1981) 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Colóquio José Marinho: Do Espírito ao Insubstancial Substante

Dia 20 de Dezembro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Com a participação de Manuel Cândido Pimentel, Paulo Borges, Rui Lopo, António Braz Teixeira, Pinharanda Gomes, entre outros. Mais informações aqui.

Burocracia, vacuidade e historicismo

"Difícil se torna exprimir hoje, passados já dez, doze anos, o que para mim representou, como iniciação cultural, a descoberta dos movimentos convergentes da fenomenologia e do existencialismo. Saía por essa altura da Faculdade de Letras de Lisboa, então instalada no velho e poeirento edifício da Academia de Ciências, e lia com avidez as obras de Sartre. Na Faculdade nada me propiciara em tal direcção, a não ser a ausência de qualquer direcção. Posso dizer que, se alguma mola propulsora encontrei no então Curso de Ciências Histórico-Filosóficas, foi a absoluta consciência do vazio espiritual que a inconsciência desse vazio nos mestres amargamente me sugeriu. No plano moral, é certo que a humilhação das lições dogmáticas, dos exames mnemónicos e da total incapacidade para encontrar, tocar, abrir as virtualidades originais de cada aluno me deu grandes reservas de força anímica para começar enfim a minha preparação intelectual, uma vez obtido, depois de vários vexames, o almejado diploma de curso superior - um documento burocrático com fins burocráticos e nada mais. Fui sem dúvida dos mais obscuros alunos da faculdade e, após incidentes como a pública manifestação de desconfiança por parte do presidente de júri de licenciatura, ilustre professor catedrático, quanto a ter sido eu realmente o autor da tese apresentada, muito admirado fiquei quando recebi a notícia da minha absolvição, isto é, da minha aprovação, embora com modesta nota. Por que me dera o ensino filosófico da nossa Universidade tão abismal sensação de vacuidade, de inutilidade? (...) O que repelira desde o início, não só o meu espírito como até a minha sensibilidade, fora a ausência de qualquer dinamismo no ensino universitário com o qual fui obrigado a pactuar, ausência que hoje atribuo ao excesso de historicismo de que padece não só a educação como a cultura portuguesa. (...) No fim do curso, na famigerada disciplina semestral de História da Filosofia em Portugal - já então não compreendia muito bem por que, se se ensinava Literatura Portuguesa, se não podia ensinar Filosofia Portuguesa -, como o professore propusesse aos alunos a elaboração de monografias históricas sobre pensadores nacionais, um colega redigiu um estudo sobre o antipositivista Domingos Tarroso, autor, já no século passado, de um tratado intitulado «Filosofia da Existência». Ousara ele considerar Tarroso um percursor do existencialismo e bem assim valorizar esta corrente filosófica. Encontrei este colega há meses e lembrámos com amargura os momentos de humilhação por que ele passou ante a total incompreensão e as invectivas irónicas do professor! Também a aridez historicista desta cadeira, em que praticamente se vedava aos portugueses o direito de pensarem por si mesmos, me levou mais tarde a averiguar, mormente depois de ter encontrado Álvaro Ribeiro, que ao tema se devotara, a possível autonomia e originalidade de um pensamento português, de uma filosofia portuguesa. 
É sem dúvida curioso como, desde os primeiros anos universitários, no meu espírito se uniram a tese existencialista e a tese da filosofia portuguesa - um ramo, aliás, da tese das filosofias nacionais. Ambas eram objecto de uma feroz oposição catedrática. (...) Escolha, se havia, era extra-universitária. " 

António Quadros
"A Cultura Portuguesa perante o Existencialismo"
em Sartre e o Existencialismo de Ismael Quiles
(Arcádia, 1959)
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Ismael Quiles Sanchez Pedralba, (1906 - 1993) foi um teólogo e filósofo espanhol fortemente influenciado por Martin Heidegger, Gabriel Marcel e Karl Jaspers. Escreveu, entre outras obras, La persona humana (1942), Aristóteles: vida, escritos, doctrina (1944), Filosofía del cristianismo (1944), Heidegger y el existencialismo de la angustia (1948), Sartre y el existencialismo del absurdo (1952), Más allá del existencialismo: filosofía in-sistencial (1958), Metafísica budista (1967), Filosofía y mística: yoga (1967), Filosofía y religión (1985).

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Apetência de regresso


"No português, talvez mais do que em qualquer outro povo europeu, a ânsia desmedida de absoluto (...) a apetência de regresso a uma perdida ou sonhada harmonia de perfeição - de que emerge o sentimento da saudade - choca-se, dramaticamente, com a realidade brutal e agressiva do mal nos homens e no mundo. A possibilidade de existência de um Deus omnipotente, perfeito e supremo Bem e a realidade insofismável do mal, eis o que, desde o plano do mais desatento viver quotidiano até ao da mais séria e responsável especulação, tem sido para ele causa de funda inquietação e perplexidade. (...)"

António Braz Teixeira
"O Mal na Filosofia Portuguesa dos Séculos XIX e XX"
em Deus, O  Mal e a Saudade, Fundação Lusíada (1993), pp 62-78.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Poder nativo

"O cadáver da Pátria tinha ainda uma pequena parte viva, onde se refugiara a sua alma, a que se despe de toda a nódoa carnal e se concentra na sua região mais elevada. A alma é um espaço montanhoso. Da sua maior altitude, quase se descobre Deus...Assim em Frei Agostinho da Cruz, a alma pátria atinge aquele alto píncaro, de onde se avistam as estrelas, olhando para baixo... A Elegia saudosa diviniza-se por espontânea iluminação da sua virtude originária. O poder nativo de conceber a Divindade, encontra, em Frei Agostinho, a hora do máximo esforço vitorioso. (...) Atingindo a nossa Poesia a maior altura em Camões e Frei Agostinho, é natural a sua decadência suceder ao máximo esplendor."

Teixeira de Pascoaes
Os Poetas Lusíadas
(1919)

Uma ideia de totalidade

"Vou contar como foi. Tudo começou com a constatação de um facto precioso e, até então, desatendido. Fê-la António Quadros, na sua obra capital, há cerca de 20 anos. Seguiu-se, recentemente, a constatação de um outro facto. Fi-la eu, ao ler a parte biográfica da notável introdução à obra de Álvaro Ribeiro que Joaquim Domingues, devotado estudioso do filósofo da razão animada, nos oferece em Filosofia Portuguesa para a Educação Nacional. Até hoje, ao que julgo saber, este novo facto terá passado despercebido, tal como o anterior até António Quadros o fazer notar pela primeira vez. Se é, ou não, precioso, dirá depois o leitor, se acaso persistir na leitura deste livro até ao final. (...) O grande ciclo de manifestação e desenvolvimento da filosofia portuguesa dura 720 anos. Sendo este número o décuplo de 72, pode o superlativo correspondente querer enfatizar o grau de perfeição que é simbolicamente referido ao número 72. (...) À afirmação da plenitude cíclica daquele período maior também não será indiferente a lição de Santo Agostinho, para quem 'o decépulo septenário corresponde à totalidade de uma evolução, um ciclo evolutivo completamente concluído'."

Pedro Martins
O Céu e o Quadrante,  desocultação de Álvaro Ribeiro
(2008)

Concentração tácita

"Normalmente, o pensamento ávido de perenidade alimenta-se da penumbra e exprime-se a meia voz. Mais do que isso, o pensar obsessivo e intenso, iluminante e translúcido, por vezes, desiste da própria penumbra e da própria transmissão confidente, e opta por uma forma de esperança desesperada e transcendente: a da concentração tácita."

Sant'Anna Dionísio
Leonardo Coimbra - O Filósofo e o Tribuno
(1985)